quarta-feira, janeiro 4

limite - mario peixoto

Um professor de cinema brasileiro fez a seguinte pergunta: se você fosse refilmar Limite, como faria?

Se me fosse proposto a refilmagem de Limite, iria diminuir a duração do filme, reduzindo a história em uma hora aproximadamente. Para tanto, deixaria mais curtos alguns planos que muitas vezes tornam o filme lento. Como exemplo, o da mulher andando na estrada, do homem de terno que também caminha, assim como alguns planos-detalhe: o carretel de linha e a tesoura. Também faria o mesmo com as cenas que exploram as pernas e outras partes do corpo. Dessa forma, faria uma montagem mais rápida e dinâmica.

Iria manter a decupagem próxima à original, utilizando muitos dos enquadramentos e movimentos de câmera vistos no filme.

A interpretação dos atores iria ser menos teatral, e introduziria alguns diálogos, principalmente nas cenas onde o homem e as duas mulheres estão no barco, assim como nas cenas mais narrativas, evocadas por suas memórias.

O filme seria colorido e a trilha mais minimalista, com momentos de silêncio, explorando os ruídos e sons dos objetos e ambientes. O som do mar seria muito utilizado, e a orquestração encontrada no original seria reservada apenas para os momentos mais narrativos, onde a ação é que movimenta a cena.   

A cena do naufrágio seria mais realista, com planos próximos de curta duração, ao invés do recurso de filmar apenas o mar revolto sem a embarcação.

Exploraria com mais planos a cena final dos urubus debandando do alto do monte. Primeiro iria mostrar as rochas, secas e de luz dura, contrapondo-se ao mar, e em seguida mostraria os pássaros saindo do monte, como se estivessem indo se alimentar dos corpos dos náufragos.

Mais do que a cena da mulher com as algemas sobre o rosto, mostrada no início e no fim do filme, acho que a cena dos urubus sintetiza de forma emblemática toda a idéia da obra: cada indivíduo é um baú isolado de histórias, e muitas vezes a memória nos atormenta, nos torna náufragos de nós mesmos, e o presente vira um oceano monocromático e adormecido.

Somos ao mesmo tempo um ponto de vista e um testemunho do quanto, ao longo da vida, suportamos a solidões e perdas, mas todas as histórias acabam do mesmo jeito. A morte é o limite. 

algumas linhas sobre o cinema novo

"Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro. O filme brasileiro participa do mecanismo e o altera através de nossa incompetência criativa em copiar". (Paulo Emílio Sales Gomes in Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento. SP: Paz e Terra, 1996).

 O CLIMA ESQUENTA A 40 GRAUS

O Cinema Novo é reconhecido por muitos como o movimento que mais pensou em retratar o Brasil na tela, de uma forma autêntica, sem utilizar-se de fórmulas estéticas e de produção copiadas do caro modelo de produção estadunidenses, tentativas frustradas recém-vividas por estúdios como Cinédia e Vera Cruz.

Influenciados pelas estéticas da Nouvelle Vague e do Neo-realismo, os jovens cineastas cinemanovistas transformaram radicalmente, em forma e conteúdo, o fazer cinematográfico nacional. Com produções de baixo orçamento, equipes reduzidas, locações reais e temáticas que discutiam nossos problemas políticos e sociais, o Cinema Novo literalmente foi pras ruas, em busca do povo brasileiro e seu fascinante e peculiar universo.

O marco inicial veio em 55, com o filme Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos. O filme é um semi-documentário sobre os costumes cariocas, vistos sobre a ótica de cinco garotos de uma favela, que trabalham vendendo amendoim num lindo dia de domingo. Isso por si só já não agradou a censura. Muito mais estava por vir.

UMA ESTÉTICA FAMINTA POR NOVOS FILMES

Na tentativa de discutir a identidade político-cultural do brasileiro e motivados pelas respostas artísticas vindas do pós-guerra, jovens cineastas como Paulo César Sarraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Cacá Diegues, Sérgio Ricardo, Walter Lima Jr e o mais polêmico e importante deles, Glauber Rocha, logo se afirmariam com obras que fazem parte da melhor safra do cinema moderno brasileiro.

Sufocado pela crescente pressão que sofreria com o Regime Militar, instituído anos depois de sua formação, o Cinema Novo não teve uma vida longa, entretanto, foi muito profícua. Com obras que traziam em si as inquietações da classe intelectual brasileira e utilizando-se das formas e linguagens do cinema moderno, logo vieram reconhecimento e prêmios em festivais internacionais.

Uma das provas da riqueza cultural, em termos de produção e qualidade, é a possível distinção que se pode fazer, dividindo o movimento do Cinema Novo em três fases. Em síntese, observamos nos primeiros filmes um olhar um pouco mais distanciado, preocupado em registrar, sem discutir profundamente, o perfil, o cotidiano do brasileiro, bem ao modelo do Neo-realismo italiano, sem as estereotipias utilizadas nas chanchadas. A idéia fixa na cabeça era a de colocar a cara do brasileiro na tela, fosse ela a do menino do morro em Rio, 40 graus, do sertanejo de Vidas Secas ou a do cangaceiro em Deus e o Diabo na Terra do Sol.

A segunda fase já se coloca mais questionadora, com um discurso intelectual mais apurado, tendo em Terra em Transe o maior exemplo, a meu ver, na cena em que o intelectual jornalista tampa a boca de um popular, olha pra câmera e diz algo do tipo: esse é o povo brasileiro, e ele não sabe falar nada. Agora, o discurso é o personagem principal.

A terceira e última fase é marcada por certo distanciamento do real, utilizando-se das alegorias, cores e tendências do Tropicalismo efervescente. Com a censura tomando conta da cultura nacional e vedando tudo o que cheirasse transgressão, Macunaíma pode ser tido como o filme mais emblemático do período. É impossível reler a obra de Mário de Andrade sem ter na lembrança as cenas antológicas alcançadas por Joaquim Pedro e interpretadas por Grande Otelo.

UM CINEMA A SER DESCOBERTO

Ao ouvir os depoimentos depreciativos sobre do cinema novo de alguns realizadores da chamada atual retomada do cinema brasileiro, principalmente sobre a figura e obra de Glauber Rocha, penso que não entenderam a importância que foi este movimento, além de ser uma forma inocente e leviana de não lhe prestar a devida importância.

Assim como a Bossa Nova revolucionou e trouxe novas e definitivas formas de se fazer a arte pela qual se propôs a realizar, o Cinema Novo conseguiu adquirir aquilo que toda obra de arte quer: assumir suas influências e se tornar uma nova influência para os que virão. Não é à toa que renomados diretores estrangeiros citam com freqüência as obra dos cinemanovistas.


domingo, outubro 30

lavoura arcaica

“...era num sítio lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos da família; amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho.”*

Lavoura Arcaica conta a história de André, filho de uma família de imigrantes árabes, que sai de casa por entrar em conflito com as tradições e principalmente com a postura rígida e dogmática do pai. Pedro, o filho mais velho, vai até a pensão onde André mora para levá-lo de volta à família, que sofre cada vez mais com a partida do “filho pródigo”.  Após um longo diálogo de silêncios e desabafos, os dois voltam pra casa, e André é recebido com uma festa de final surpreendente e trágico. Antes de partir, André teve uma relação incestuosa com Ana, sua irmã. Na festa de seu retorno, André é presenteado com a cena de Ana dançando quase que possuída, jogando vinho pelo corpo, envergonhando a todos, com os adereços das prostitutas que André conheceu (guardados numa caixa e roubados por Ana). Inesperadamente surge o pai, também possuído pela loucura, e com um instrumento cortante, utilizado para a lavoura (alto teor simbólico), derruba Ana a um só golpe, sugerindo sua morte. Enquanto todos se desesperam, André, afastado, se cobre com folhas caídas, como fazia nas festas de sua infância.      

O LIVRO
Lavoura Arcaica é o primeiro dos dois romances publicados de Raduan Nassar. Foi lançado em 1975, arrebatando críticos e público da mesma forma instantânea e intensa com que o autor conduz o livro. Numa espécie de fluxo de consciência, o narrador personagem André reconstrói sua história com imagens altamente poéticas, metáforas primorosas de alcance universal e um ritmo que se mantém vivo por toda a narrativa. Embora alterne passado e presente numa voz contínua, e opta por uma pontuação resumida a ponto e vírgula em sua maioria, sua unidade o torna completamente compreensível sobre as inquietudes e situações da vida de André.

O FILME
Luis Fernando Carvalho roteirizou, dirigiu, produziu e editou o filme. Lavoura Arcaica foi sucesso de crítica, ganhando mais de 25 prêmios em diversos festivais do Brasil e exterior. É cultuado por um público mais restrito, devido à sua longa duração e ritmo lento, com narrações de longos trechos do livro, permeados por imagens muitas vezes beirando a abstratas. Referências a Bergman (A hora do lobo), Tarkovski (O espelho), além de uma primorosa fotografia, são pontos positivos na construção do filme, assim como a trilha sonora e direção de arte e elenco.
É considerado por muitos uma obra prima do cinema nacional, apesar de ser o filme de estréia do diretor, que tem uma carreira extensa na televisão, e receber críticas negativas como subserviência ao texto (Carvalho utilizou o livro como fonte de diálogo e narração para a maioria das cenas), exagero no cuidado da arte, beirando à uma composição quase publicitária, duração longa do filme, impossibilitando atingir um público mais numeroso e menos acostumado com esse tipo de cinema.
Acredito que se justificam mais os argumentos positivos, uma vez que o filme dialoga com o processo de imigração no Brasil, levantando os choques decorrentes, exemplificados na figura de André, ao mesmo tempo que, preservando os conflitos interiores expressos no texto, materializa o eco universal que comporta a obra.  
ANÁLISE DE UMA CENA
“...não se constranja, meu irmão, encontre logo a voz solene que você procura, uma voz potente de reprimenda, pergunte sem demora o que acontece comigo desde sempre, componha gestos, me desconforme depressa a cara, me quebre contra os olhos a velha louça lá de casa.”

A cena escolhida é quando Pedro diz a André o momento que percebeu que este havia ido embora, quando viu as gavetas de seu armário vazias. No livro, esta fala está no capítulo 5. No filme, aos 16 minutos: “...só então é que compreendi, como irmão mais velho, o alcance do que se passava: tinha começado a desunião da família”.
No livro, o narrador, André, imagina uma resposta a Pedro, mas não diz, revelando apenas ao leitor seu conteúdo: segundo André, a desunião começou muito antes de sua partida. Essa possível resposta desencadeia uma viagem na memória de sua infância, e assim como outras na sequência, não é dada ao irmão, que recebe apenas o silêncio e o olhar de André. Durante esta cena, o narrador repete construções do tipo “eu poderia ter dito isso, mas não era hora”, “quase deixei escapar, mas achei que seria inútil dizer qualquer coisa”, reafirmando sua decisão de permanecer em silêncio.
No filme, entretanto, esta resposta é claramente dada por André ao irmão, frente a frente, num tom de convicção, enquanto se encaram na meia luz do quarto.

“... e assim que eu me levantava, Deus estava do meu lado em cima do criado-mudo, e era um deus que eu podia pegar com as mãos e que eu punha no pescoço e me enchia o peito e eu menino entrava na igreja feito balão.”

Mesmo sem saber os motivos que levaram o roteirista/diretor Luis Fernando Carvalho a optar por tal mudança, é possível levantar algumas conclusões.
Ao fazer André responder de fato a Pedro, e não apenas imaginar, Carvalho dá mais força ao personagem, reafirmando suas características de iconoclasta e questionador, qualidades que serão ainda mais explícitas nas cenas com o pai. Isso funciona muito bem para a narrativa no cinema, não chegando a ser um plot point (ponto de virada), mas cumpre uma função dramática importante na trama, revelando desde o início o choque de opiniões, elemento principal que conduz a história.   
Carvalho poderia ter utilizado o recurso de voice over, que aparece inúmeras vezes pelo filme, mas transferindo o texto para a fala de André faz com que a cena revele ao espectador mais diretamente a relação entre os irmãos, tendo André como protagonista da história, e Pedro, ao lado do pai, seu antagonista.

É interessante perceber o valor dramático que a cena ganha, e como se desenvolve a linha evolutiva do filme quando o irmão mais velho relembra o momento que percebeu a partida de André, e associa isso como o fator inicial para toda a tristeza que tomou conta da família.
“só então é que compreendi, como irmão mais velho, o alcance do que se passava: tinha
começado a desunião da família" ele disse e parou, e eu sabia por que ele tinha parado, era só olhar o seu rosto, mas não olhei, eu também tinha coisas pra ver dentro de mim, eu poderia era dizer "a nossa desunião começou muito  mais cedo do que você pensa, foi no tempo em que a fé me crescia virulenta na infância e em que eu era mais fervoroso que qualquer outro em casa" eu poderia dizer com segurança, mas não era a hora de especular sobre os serviços obscuros da fé...”

Entretanto, Carvalho resolve dar a voz direta a André, o que movimenta muito a história, aumentando consideravelmente seu valor dramático, o mostrando como um ser de tal forma convicto de seus pensamentos que não precisa escondê-lo. A opção por André falar o que pensa prenuncia a mesma atitude que terá em outras ocasiões, como na cena com a irmã, na igreja, ou a cena com o pai, quando regressa.
O personagem do livro deixa claro que “não era hora de especular sobre os serviços obscuros da fé...”, porém o personagem do filme diz claramente para Pedro:

“a nossa desunião começou muito mais cedo do que você pensa, foi no tempo em que a fé me crescia virulenta na infância e em que eu era mais fervoroso que qualquer outro em casa... era boa a luz doméstica da nossa infância... essa claridade que mais tarde passou a me perturbar, me pondo estranho e mudo, me prostrando desde a puberdade na cama como um convalescente.”
É interessante ainda notar que a pausa entre a afirmação de Pedro e a réplica de André, no filme, é mínima. Além do André do filme de fato dizer com firmeza, olhando nos olhos do irmão, ele o faz prontamente, como se sua resposta estivesse esperando para ser ouvida há muitos anos.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Na cena em que a mãe acorda André (criança), ela canta uma cantiga em árabe para ele, e depois ele repete algumas frases também em árabe que ela diz. Essas cenas não estão no livro, e talvez o diretor tenha optado para diferenciar ainda mais esse momento de André (criança), ainda cheio de fé e repetindo a tradição pelas frases, para o André (jovem) rebelde e solitário. 
Luis Fernando Carvalho utiliza duas vozes para narrar a história, uma mais distante do espaço-tempo da história, curiosamente gravada pelo próprio diretor; e outra do ator que interpreta André. Este recurso facilita a compreensão da esfera a qual o personagem salta para rememorar e explicar o seu percurso. Se é a voz do ator, significa que faz parte do diálogo com o irmão ou é alguma memória trazida no momento que a história está sendo contada. Se ouvimos voice over do diretor, significa que é um texto além do momento presente da história, é um narrador que se faz ausente, de um tempo indeterminado e de um lugar impreciso.
Vale lembrar que o diretor utilizou o próprio livro como roteiro de muitas cenas e principalmente dos diálogos e de todas as narrações, o que deu fidelidade ao texto.  

terça-feira, outubro 11

sobre dois textos de andré bazin

1.      O MITO DO CINEMA TOTAL

Para Bazin, a força motriz para o surgimento do cinema foi a vontade do homem em recriar a realidade da melhor forma, dando à fotografia movimento, som e cor, na tentativa de superar o tempo. É essa busca ao que ele chama de realismo integral que fez com que descobertas e avanços científicos separados convergissem para a construção desta “arte mecânica”, no início do século XX.

Discordando dos que viam nos primeiros filmes (pb e mudo) exemplos da própria essência do cinema, de um “cinema puro”, Bazin ironiza dizendo que o cinema ainda nem foi inventado, e propõe uma leitura inversa de sua história. Para ele, quanto mais as imagens em movimento darem ao espectador as sensações da realidade, mais esta arte se aproximará de seu ideal de origem, o que ele chama de mito do cinema total.

Diante dos atuais avanços em relação ao som, efeitos especiais e principalmente imagens em 3D, o olhar que Bazin lançou há mais de meio século sobre a evolução do cinema, pelo menos o chamado cinema narrativo-naturalista, se faz atual e coerente.


2.      ONTOLOGIA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA

Cada sociedade busca, à sua maneira, uma forma de superar a idéia da morte. Para os egípcios, o embalsamamento impedia a ação do tempo sobre a matéria, imortalizando-a, tornando assim possível o retorno do espírito.

Segundo Bazin, o caminho percorrido pelas artes plásticas foi guiado por essa necessidade de eternizar o homem através de sua imagem, livrando-o, pelo menos de forma simbólica, da finitude da vida. As pinturas e esculturas serviriam para criar um universo paralelo, ideal e eterno, marca permanente de nossa espécie.

Assim, o advento da fotografia foi o maior acontecimento na evolução das artes que têm na imagem sua forma de representação. A impressão da imagem no papel fotográfico é a consagração absoluta da vontade humana em imprimir e eternizar o tempo da forma mais realista possível. Com o advento da fotografia, as artes plásticas perderam a função de reconstruir o mundo como o vemos, entrando, de certa forma, numa crise que geraria inúmeras vanguardas e conceitos diversos, na tentativa de reafirmar sua necessidade e dar continuidade a sua evolução.  

Bazin ainda chama a atenção para o caráter objetivo da fotografia. Ao contrário da pintura realista-naturalista, não é a mão do artista que dá forma ao que é visto, mas é a lente objetiva da máquina que captura o momento, sem a possibilidade da intervenção humana, a não ser na escolha do que será fotografado, aumentando completamente a credibilidade na imagem, tornando-a quase a própria realidade representada. 

os textos analisados estão no livro: A experiência do cinema: antologia / organizador: Ismail Xavier / Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983

quarta-feira, maio 28

Peter Greenway

Greenway me faz lembrar aqueles artistas construídos que só conseguem emplacar um sucesso por toda a carreira. O primeiro filme seu que assisti foi o maior que o diretor fez, na minha opinião. Em nome e em força de imagens, texto e música: O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e o Amante. Quando terminei de assistir as duas horas de várias idéias perfeitamente interligadas, pude voltar a respirar, e antes de retomar completamente o fôlego, me convenci que estava diante de um futuro mito. Um novo Kubrick, me precipitei a concluir. Alguém com sangue novo, que veio pra inovar.

Ledo engano... Percorri as prateleiras atrás de outras obras que confirmassem minha expectativa. Mas infelizmente nada encontrei. Diálogos evasivos, núcleos que não se completavam, atores sem uma direção convincente. Enfim, filmes que não sabiam direito para aonde ir. Fiquei decepciondo. Uma homenagem para Fellini, que era mais qualquer outra coisa do que isso; uma crítica à Hollywood, usando os mesmos elementos que levam o filme para uma auto contradição fatídica; e um trabalho mais que chato sobre uma mulher-livro, que na verdade nem sei se é isso, pois por mais que eu me esforçasse, não consegui assistir 40 minutos do filme.

vídeo arte


Desde o início do século XX, a população já começara a se acostumar com a imagem movimento. O aparecimento dos “mass media” já havia despertado a preocupação de Bertolt Bretch. Ao contrário do artista plástico Marinetti, o teatrólogo e poeta despertava a atenção para o poder político-ideológico dos novos meios de comunicação.

Os anos 60 marcam o aparecimento do vídeo, que desde logo apresenta particularidades em relação ao cinema e à TV: o vídeo capta diretamente o material audiovisual para um código analógico ou digital, assim a gravação e o armazenamento conjugam o mesmo espaço. O caráter analógico da TV, bem como o mecânico do cinema, necessitam de um aparato técnico especial para reproduzir o que está gravado na fita magnética e no fotograma, ao contrário do vídeo digital que, depois de capturado, pode ser transferido para um computador onde será finalizado. Isso demonstra uma enorme economia na escala de produção, pois a manipulação da imagem depende apenas do desenvolvimento de hardwares, ou seja, do atual desenvolvimento tecnológico de uma nação.

Em 1967, A Sony foi a primeira a comercializar o aparelho de vídeo analógico. A máquina de filmar e o gravador de som eram construídos por aparelhos separados. Em 1983, surgiu a camcorder que fez a união entre esses dois aparelhos.

A Vídeo Arte surge assim no contexto dos protestos anti-guerras, os movimentos feminista e estudantil, movimento para a libertação da América Negra, etc. De acordo com a necessidade da época, a tecnologia do feedback possibilitou as transmissões ao vivo. O vídeo promoveu assim uma realidade concreta da imagem, ao contrário do ilusionismo da televisão e do cinema.
Desde 1950, era debatida a valorização do corpo como performance. Por volta de 1970, os artistas, que rompiam com o caráter realista da obra de arte, centravam-se no corpo como material estético, superfície de projeção, indicador de estados mentais.

O movimento feminista encontra também expoentes na Vídeo art. Em 1978 “Technology/Transformation: Wonder Woman” Sara Birnbaum deu início ao debate sobre a imagem das mulheres na sociedade e nos mídeas, assim como e ao retrato da feminilidade, que adquiriu as formas mais variadas possíveis nas décadas seguintes.

O cinema, devido a sua teoria da montagem e ao estudo sobre o olhar subjetivo da câmera, desde o século XX fornece estímulos para a formação da Vídeo Art. O cineasta Jean-Luc Godard foi o primeiro a realizar a união entre elementos cinematográficos e vídeo. Em meados dos anos 90 o movimento Dogma foi o primeiro a estipular o vídeo digital como forma de captação obrigatória para a realização do filme.

Desde o início, percebe-se que a Vídeo Art sempre esteve relacionada com outras linguagens artísticas e com outros meios de comunicação como a televisão, a performance, a escultura e o cinema.

Com a evolução tecnológica trazendo continuamente ao mercado novos meios de mídias, arquivos, processadores, capturadores e exibidores de vídeo e afins, o futuro do cinema, do vídeo, e principalmente da Vídeo Arte está sendo escrito dia-a-dia.

Podemos dizer que no Brasil a Vídeo Arte ainda não tem uma ressonância significativa, mas já percebe-se uma aproximação de alguns artistas brasileiros, que, levados ou não pelas facilidades tecnológicas, começam a se expressar através dessa arte fascinante, indefinida e extremamente atual.

segunda-feira, maio 26

linguagem cinematográfica

por ana ferreira e zé guilherme fidelis

O termo linguagem, quando relacionado a uma determinada arte, é entendido como o conjunto de elementos que a diferencia das demais. É aquilo que a legitima como uma manifestação autônoma, portadora de seus próprios instrumentos e métodos de se comunicar com os indivíduos e com outras expressões artísticas.

Apenas duas décadas após a primeira sessão de cinema, no Grand Café, em Paris, surgiram os primeiros teóricos do cinema. Os pioneiros, como Hugo Mustenberg, Rudolf Arheim, Sergei Eisenstein e Bela Balázs faziam parte da tradição formativa. Influenciados pela psicologia cognitivista e pelos fenômenos fisiológicos psíquicos (persistência da imagem na retina e formação de sentido através da concatenação de planos), os teóricos formativos compreendiam o cinema como um fenômeno meramente mental, e afirmavam que as imagens só ganhavam sentido após serem processadas pela psique humana. Em consonância com o movimento formativo estão o expressionismo alemão e o cinema de Eisenstein, este último ainda somando à tradição formativa a ideologia socialista. Eisenstein desenvolveu princípios e tipos de montagem (métrica, tonal, sobretonal e rítmica) a partir de uma gramática de planos (montagem de atração) estabelecida por ele.

Paralelamente à tradição formativa, estruturava-se a teoria realista do cinema. Dois de seus expoentes foram Siegfried Kracauer e André Bazin. Esses teóricos viam o cinema como um meio de reprodução da realidade, e não como veículo para a sua distorção, pois estabeleceram que a matéria-prima do cinema é o fotograma, que a princípio, reproduz com exatidão o tempo e o espaço que situam-se à frente da lente. A favor de um maior realismo fílmico, Bazin ressaltou a importância da profundidade de campo e dos planos-seqüência, a fim de evitar o distanciamento do espectador e a distorção da realidade.

Contudo, a teoria contemporânea francesa, inspirada nos estudos de Bazin, ampliou o paradigma, libertando a análise da linguagem cinematográfica de sua matéria-prima. A priori, Jean Mitry propôs a síntese entre a teoria formativa e a teoria realista em “Esthétique et psycologie du cinéma”. Em 1964, Christian Metz descreve os processos de significação do cinema na publicação “Cinéma: langue ou langage”. O teórico, apoiado pelo estudo lingüístico de Saussure, questionou o conceito de linguagem cinematográfica, estipulando diferenças básica entre o plano e a palavra, a seqüência e a oração: a) É imensurável o números de planos que pode-se produzir ao contrário da palavra considerando que o léxico é finito, no entanto assim como as palavras os planos podem ser ordenados de inumeráveis formas afim de gerar um sentido. b) Os planos são criações do cineasta ao contrário das palavras que já foram estipuladas. c) A comunicação no cinema é concretizada através das imagens, enquanto na fala, é metafórica, pois seu significado foi socialmente pré-estabelecido.

Resumindo, o avanço dos estudos teóricos sobre o cinema modificou o sentido do termo linguagem cinematográfica. Ao longo do tempo, a definição foi se distanciando da relação direta com a linguagem verbal, teoria utilizada pelos formalistas russos (Eisenstein, 1929), e adquirindo uma conotação mais metafórica, até a afirmação de que o cinema era uma “linguagem sem língua” (Metz, 1968).

Hoje, entende-se como linguagem cinematográfica o conjunto de fenômenos fílmicos que se manifestam na manipulação da imagem em movimento, com a finalidade de estabelecer a comunicação com o espectador.

Elementos da linguagem cinematográfica

Assim como a escala faz parte da linguagem musical, e o verso compõe o poema, o cinema dispõe dos seguintes elementos básicos para se concretizar:

Plano: o enquadramento da cena. A escolha do plano, juntamente com a montagem, direciona o olhar do espectador para o que se quer evidenciar. O plano pode privilegiar, por exemplo, um elemento do todo (plano detalhe, close-up), pode revelar o personagem e parte da cena (plano aberto), ou ainda mostrar o personagem da cintura pra cima (plano americano). Essas e outras definições dos tipos de planos facilitam a comunicação entre os realizadores de um filme, tornando possível o planejamento da obra.
Plano americano: É o plano que enquadra a figura humana do joelho para cima. Geralmente não comporta mais do que três personagens reunidas. Tem esse nome devido à sua grande popularidade entre os diretores de Hollywood das décadas de 30 e 40.
Plano seqüência: É a filmagem de toda uma ação contínua através de um único plano (sem cortes).
Close: É o plano enquadrado de uma maneira muito próxima do assunto. A figura humana é enquadrada do ombro para cima, mostrando apenas o rosto do personagem. Com isso, o cenário é praticamente eliminado e as expressões tornam-se mais nítidas para o espectador. Corresponde a uma invasão no plano da consciência, a uma tensão mental considerável, a um modo de pensamento obsessivo.
Plano detalhe: Semelhante ao close, mas se refere a objetos. Enquadra um objeto isolado ou parte dele ocupando todo o espaço da tela. Ressalta um aspecto visual, eliminando o que não é importante no momento
Angulação: São determinados pela posição da câmera em relação ao objeto filmado.
Plongée: A câmera filma o objeto de cima para baixo, ficando a objetiva acima do nível normal do olhar. Tende a ter um efeito de diminuição da pessoa filmada, de rebaixamento.
Contra-plongée: A câmera filma o objeto de baixo para cima, ficando a objetiva abaixo do nível normal do olhar. Geralmente, dá uma impressão de superioridade, exaltação, triunfo, pois faz "crescer" o/a ator/atriz.
Inclinado: É uma tomada feita a partir de uma inclinação do eixo vertical da câmera. Pode ser empregada subjetivamente, materializando aos olhos do/a espectador/a uma impressão sentida por uma personagem, como uma inquietação ou um desequilíbrio moral.
Movimentos de câmera: Constituem a base técnica do plano em movimento. São definidos levando-se em conta se o movimento da câmera é de rotação (em torno do seu eixo) ou de translação (locomovendo-se em avanço ou recuo, subindo ou descendo).
Panorâmica: A câmera se move em torno do seu eixo, fazendo um movimento giratório, sem sair do lugar. Trata-se de um movimento da câmera que pode ser horizontal (da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda), vertical (de cima para baixo ou vice-versa) ou oblíquo. A panorâmica vertical é também conhecida como tilt.
Travelling: A câmera é movida sobre um carrinho (ou qualquer suporte móvel) num eixo horizontal e paralelo ao movimento do objeto filmado. Este acompanhamento pode ser lateral ou frontal, neste último caso podendo ser de aproximação ou de afastamento. Ao lado temos um exemplo de travelling lateral.
Seqüência: Conjunto de cenas sucessivas, que mantêm uma mesma unidade de tempo e espaço. Um exemplo é a seqüência inicial do filme O poderoso chefão (1972), que se passa no casamento da filha de Dom Corleone, interpretado por Marlon Brando. Essa seqüência é composta por várias cenas independentes, que apresentam os personagens, e estão ligadas pelo pano de fundo da festa de casamento. A seqüência ainda pode ser definida como a maneira pela qual os planos de uma mesma unidade serão apresentados. Se for uma seqüência ininterrupta, será utilizado um plano-seqüência.
Montagem: a organização dos planos capturados, de maneira que o filme alcance o discurso esperado.
Corte seco: é quando há uma transição imediata, direta de uma cena para outra. Foi um dos primeiros procedimentos da montagem, usado na hora da transição de um filme para outro. Usado quando se quer obter imagens que se sucedem dentro de um enredo.
Fusão: É quando uma cena desaparece simultaneamente ao aparecimento da cena seguinte. As cenas se superpõem: enquanto uma se apaga, a outra aparece. Mantém a fluidez e a suavidade de uma seqüência. Seu uso pode significar uma passagem de tempo. Também é usada quando se quer suprimir ações que sejam dispensáveis na narração (processo conhecido como elipse).
Fade: Quando a imagem vai surgindo aos poucos de uma tela preta (ou de outra cor qualquer), temos o fade in. Quando ela vai desaparecendo até que a tela fique preta, temos o fade out. A velocidade com que a imagem dá lugar à tela preta e vice-versa pode ser controlada de acordo com o efeito desejado. O fade in é comumente usado no início de uma seqüência e o fade out, como conclusão. Pode denotar a passagem de tempo ou um deslocamento espacial, assim como na fusão.
Cortina: É uma forma de transição de planos que ocorre quando uma cena encobre outra (geralmente entrando no eixo horizontal, mas pode ocorrer também no sentido vertical, diagonal, em íris e em uma infinidade de formas). Pode ocorrer também através de uma linha que corre o quadro, mudando as ações.
Montagem Paralela: É quando duas ou mais seqüências são abordadas ao mesmo tempo, intercalando as cenas pertencentes a cada uma, alternadamente, a fim de fazer surgir uma significação de seu confronto. Ocorre quando se quer fazer um paralelo, uma aproximação simbólica entre as cenas, como por exemplo a aproximação temporal.

A formação da linguagem cinematográfica

Para analisarmos como o cinema se tornou uma arte com características próprias, é preciso conhecer seu percurso histórico, pois foi através dele que a linguagem cinematográfica se formou, renovando-se continuamente.

O cinema surgiu no final do século XIX, com o avanço de estudos científicos e mecânicos que, a partir da fotografia, possibilitaram a manipulação da imagem em movimento, através de uma seqüência de fotogramas. Os irmãos Lumière, tidos por alguns como os “criadores do cinema”, não acreditavam que a invenção iria se popularizar tanto, muito menos que se transformaria numa arte, com escolas, correntes, movimentos e toda uma teorização específica.

Meliès, Griffith e Eisenstein estão entre os cineastas que mais contribuíram para que o cinema se distanciasse das expressões artísticas que o precederam e o influenciaram.

Meliès mostrou que o cinema poderia ser um instrumento para a manifestação do onírico, do ilusionismo e da fantasia. Contemporâneo aos Lumière, ele se distancia da utilização da câmera como puro registro de documentação do cotidiano. Com Meliès, o cinema se liberta da função realista que sempre foi atribuída à fotografia. Por outro lado, o ilusionista francês que se tornou cineasta impregnou em sua obra elementos burlescos do século XVI. Isso não diminui a importância de Meliès, uma vez que a arte, assim como todas as outras áreas do conhecimento humano, continuamente retorna ao passado e o renova, o modifica. Certamente Meliès contribuiu para a evolução cinematográfica, com seus experimentos e efeitos que fascinavam as platéias da época.

Griffith, juntamente com Portter e outros contemporâneos estadunidenses, foi aos poucos deslocando a câmera da posição de um espectador que observa o filme do centro da platéia, introduzindo-o à cena, multiplicando seu ponto de vista, manipulando sua maneira de observar. Antes dele, os filmes eram vistos sempre de uma perspectiva de quem assiste a uma peça teatral. Griffith dá ao cinema a possibilidade que o teatro não tem: deslocar o ponto de vista do observador. Com isso, pode-se contar uma estória alternando duas situações que aconteciam ao mesmo tempo, mostrando o ponto de vista de um determinado personagem, ou colocando em evidência apenas algum elemento da cena. Griffth também contribuiu para que o cinema se equiparasse às grandes obras literárias. Desse modo, renovou a linguagem cinematográfica criando recursos que causassem no espectador efeitos como fluxo de consciência e paralelismo narrativo. Outro importante elemento da linguagem cinematográfica que surgiu com Griffith foi o método de interpretação dos atores. A partir dali, o cinema foi adquirindo uma forma mais naturalista nas expressões e gestos dos personagens, se distanciando ainda mais do teatro.

Sem Eisenstein a concepção de montagem seria outra. O cineasta estudou profundamente a técnica de manipulação dos fotogramas, teorizando-a e trocando experiências com outros formalistas russos, como Kulechov e Vertov. Tal contribuição no processo de edição fílmica emancipou ainda mais o cinema em relação a qualquer outra forma de arte. Eisenstein relacionava os seus métodos de montagem com outras áreas do conhecimento, como a escrita oriental dos ideogramas e as relações de intervalos da pauta musical. A influência de Eisenstein na linguagem cinematográfica muitas vezes é vista em produções que se utilizam de imagem em movimento, mas não são categorizadas como cinema, como é o caso da TV e do vídeo. Eisenstein, ao estudar a linguagem cinematográfica, chegou a relacionar os planos com as frases e as palavras da linguagem verbal.

A partir da década de 1930, com o surgimento de uma sonorização mais eficaz que possibilitaria a audição de diálogos sincronizados com a imagem e de trilhas registradas no próprio fotograma, o cinema ganha mais um elemento que marcaria profundamente sua evolução. Assim como o próprio cinema, a sonorização fílmica foi se aperfeiçoando desde as primeiras exibições, uma vez que o cinema sempre foi sonoro, seja por sonoplastias e execuções musicais que eram realizadas durante a projeção, seja por discos gravados que eram tocados juntamente aos filmes.

Na década de 1950 a utilização da cor estava amplamente difundida. O sistema Tecnicolor havia sido empregado pela primeira vez em 1933, no filme Vaidade e Beleza, de Rouben Mamoulian. Assim como o som, a cor deu mais possibilidades para que a linguagem cinematográfica evoluísse, uma vez que o cinema, desde sua origem, está associado ao aprimoramento da tecnologia industrial e mecânica.

A partir das considerações feitas acima, pode-se afirmar que ocorre hoje mais uma transformação na linguagem cinematográfica. Com o surgimento de novas mídias e veículos de captura e exibição da imagem, a era digital está modificando a própria definição de cinema. Os equipamentos e materiais estão em constante avanço e nos próximos anos teremos múltiplas formas de compreender o cinema, e consequentemente, sua linguagem.