Certamente, os dois mundos opostos retratados em Cidadão Kane e Ladrões de Bicicleta não são unidos pelo cartaz de Rita Hayworth, colado por Antonio pouco antes de sua bicicleta ser roubada. A atriz, que foi casada com Orson Welles, não é o melhor exemplo para encontrarmos combinações entre esses dois personagens de características externas tão distintas.
Kane é rico, poderoso e caminha pela vida como se jogasse xadrez com várias rainhas. Antonio é pobre, humilde, e castigado pelo pós-guerra italiano, tenta apenas sobreviver. Em síntese, o primeiro representa a figura arquetípica do opressor, e o segundo, a imagem do desafortunado, um dos oprimidos mais bem construídos pelo neo-realismo.
Entretanto, aproximando o “zoom analítico” ao interior dos protagonistas, vemos que dois elementos fundamentais estão presentes em Kane e Ricci. Ambos são motivados por algo que perderam; ambos têm a necessidade de serem aceitos pelo olhar do outro.
Kane morre no início do filme, mas diz a palavra que será o mote de toda a estória. Rosebud, esse pequeno trenó que conteve todo o trauma causado pela falta de amor dos pais, que entregam o pequeno Charles aos cuidados de um banco. O trenó é a síntese de uma infância perdida, que moldou todo o caráter de Kane.
Antonio é motivado a reconquistar sua bicicleta, e se encontra em tamanho desespero que rouba outra, quebrando a sua própria moral social e cristã, heranças de uma criação humilde e resignada. A bicicleta é o símbolo daqueles que, desamparados socialmente, começam a perder toda a dignidade.
O segundo fator que une os dois personagens é a necessidade de aceitação do outro. Kane declina fatalmente quando não pode mais ter o olhar de complacência de sua esposa. Ela lhe nega um amor que ele acredita não ter recebido dos pais. Antonio se redime consigo mesmo quando seu filho demonstra compreensão pela situação altamente embaraçosa do furto. Todos os moradores podem maldizê-lo, mas seu filho o aceita.
Nesses aspectos, Kane e Ricci quebram a barreira que separa a ostentação do capital americano com a precariedade da Itália no fim da Segunda Guerra.
segunda-feira, maio 26
Três irmãos de sangue
Acabo de assistir ao documentário Três Irmãos de Sangue, de Ângela Patrícia Reiniger. O filme resume de modo competente a história dos irmãos Betinho, Chico Mário e Henfil. Eles são o sociólogo, o músico e o cartujornalista que se tornaram figuras fundamentais na reabertura democrática brasileira (se é que esse termo é conveniente), na luta contra a então desconhecida e ainda hoje temida aids, e em tudo que fosse relacionado à luta pela liberdade do ser humano. Três irmãos que realmente quiseram e fizeram algo pra sacudir esse bando de católicos fixados nos raios catódicos de seus televisores.
O documentário utiliza-se de uma linguagem usual no gênero para contar a sua estória. Entrevistas atuais intercalam-se com depoimentos e imagens históricas dos irmãos. E é justamente por não querer ousar ou arriscar estéticas injustificáveis que o filme nos permite viajar sem interrupção pela trajetória dessas figuras essenciais para o crescimento da identidade brasileira.
A resposta de Betinho ao seu envolvimento com o jogo do bicho é um dos momentos em que a seguinte afirmativa se torna inquestionável: aqueles três irmãos eram fodas! Ver as imagens de Henfil discursando despojadamente, com a mesma franquesa presente no olhar dos outros dois irmãos, é perceber que lutar por um ideal é o maior sentido que se pode dar à vida (fazia tempo que não escrevia uma frase tão clichê, mas não consegui apagá-la mesmo assim.
Lembro de um livro que eu via em casa quando era criança. Tentei ler e não entendi muita coisa. Desisti logo. Mas eu gostava muito da capa. Tinha o fundo azul e um desenho que não me lembro bem se era uma careca ou um globo terrestre com um carinha em cima. Ou as duas coisas. O título também era bastante curioso: Henfil na China - Antes da Coca-Cola. Eu ficava pensando quem era o Henfil, e por que antes da Coca-Cola. Perguntei ao meu irmão, e ele me disse que na China não tinha Cola-Cola. Como meu pai havia colocado um dente dentro de um copo com Coca-Cola pra vermos o quanto ela corroia nossos ossos, achei que os chineses é que tinham sorte. Vou ver se encontro esse livro num sebo.
O documentário utiliza-se de uma linguagem usual no gênero para contar a sua estória. Entrevistas atuais intercalam-se com depoimentos e imagens históricas dos irmãos. E é justamente por não querer ousar ou arriscar estéticas injustificáveis que o filme nos permite viajar sem interrupção pela trajetória dessas figuras essenciais para o crescimento da identidade brasileira.
A resposta de Betinho ao seu envolvimento com o jogo do bicho é um dos momentos em que a seguinte afirmativa se torna inquestionável: aqueles três irmãos eram fodas! Ver as imagens de Henfil discursando despojadamente, com a mesma franquesa presente no olhar dos outros dois irmãos, é perceber que lutar por um ideal é o maior sentido que se pode dar à vida (fazia tempo que não escrevia uma frase tão clichê, mas não consegui apagá-la mesmo assim.
Lembro de um livro que eu via em casa quando era criança. Tentei ler e não entendi muita coisa. Desisti logo. Mas eu gostava muito da capa. Tinha o fundo azul e um desenho que não me lembro bem se era uma careca ou um globo terrestre com um carinha em cima. Ou as duas coisas. O título também era bastante curioso: Henfil na China - Antes da Coca-Cola. Eu ficava pensando quem era o Henfil, e por que antes da Coca-Cola. Perguntei ao meu irmão, e ele me disse que na China não tinha Cola-Cola. Como meu pai havia colocado um dente dentro de um copo com Coca-Cola pra vermos o quanto ela corroia nossos ossos, achei que os chineses é que tinham sorte. Vou ver se encontro esse livro num sebo.
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