segunda-feira, maio 26

Charles Foster Kane e Antonio Ricci

Certamente, os dois mundos opostos retratados em Cidadão Kane e Ladrões de Bicicleta não são unidos pelo cartaz de Rita Hayworth, colado por Antonio pouco antes de sua bicicleta ser roubada. A atriz, que foi casada com Orson Welles, não é o melhor exemplo para encontrarmos combinações entre esses dois personagens de características externas tão distintas.

Kane é rico, poderoso e caminha pela vida como se jogasse xadrez com várias rainhas. Antonio é pobre, humilde, e castigado pelo pós-guerra italiano, tenta apenas sobreviver. Em síntese, o primeiro representa a figura arquetípica do opressor, e o segundo, a imagem do desafortunado, um dos oprimidos mais bem construídos pelo neo-realismo.

Entretanto, aproximando o “zoom analítico” ao interior dos protagonistas, vemos que dois elementos fundamentais estão presentes em Kane e Ricci. Ambos são motivados por algo que perderam; ambos têm a necessidade de serem aceitos pelo olhar do outro.

Kane morre no início do filme, mas diz a palavra que será o mote de toda a estória. Rosebud, esse pequeno trenó que conteve todo o trauma causado pela falta de amor dos pais, que entregam o pequeno Charles aos cuidados de um banco. O trenó é a síntese de uma infância perdida, que moldou todo o caráter de Kane.

Antonio é motivado a reconquistar sua bicicleta, e se encontra em tamanho desespero que rouba outra, quebrando a sua própria moral social e cristã, heranças de uma criação humilde e resignada. A bicicleta é o símbolo daqueles que, desamparados socialmente, começam a perder toda a dignidade.

O segundo fator que une os dois personagens é a necessidade de aceitação do outro. Kane declina fatalmente quando não pode mais ter o olhar de complacência de sua esposa. Ela lhe nega um amor que ele acredita não ter recebido dos pais. Antonio se redime consigo mesmo quando seu filho demonstra compreensão pela situação altamente embaraçosa do furto. Todos os moradores podem maldizê-lo, mas seu filho o aceita.

Nesses aspectos, Kane e Ricci quebram a barreira que separa a ostentação do capital americano com a precariedade da Itália no fim da Segunda Guerra.

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